sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Wahrheit oder Lüge?


Meu filho anda me questionando sobre a importância de dizer a verdade e sobre as conseqüências da mentira. Encurralou-me. Pensava justamente, naquele instante, sobre as conseqüências da verdade e a importância da mentira. Sim, porque todos mentimos. Todos somos enganados. Com uma dialética imprópria para sua idade, voltou ao questionamento, dando maior complexidade e saiu com essa: “Voce me pede para nunca mentir, porque a verdade você perdoa, mas quando eu quero falar o que eu penso sobre as pessoas e as coisas, aí você me pede pra não dizer o que penso e sinto”. Bem feito pra mim. Ensinamos aos nossos filhos que sejam hipócritas, que agradem a todos, que não se manifestem contrários ao pensamento de todos, que tolerem atitudes e pessoas que os desagradam, que sejam, portanto, educados. No sentido inverso dos valores diante dos quais não podemos nos sustentar, já que nós, os indivíduos do mundo, fizemos um pacto de dissimulação para que pudéssemos viver em harmonia. Liberto-me nesse espaço para dizer, contradizer, contrariar, concordar, criar e desconstruir. Winnicot desenvolveu em seu trabalho uma teoria do Self, que explica muito bem sobre esse duelo entre o verdadeiro self, espontâneo (a criança) e o falso self, submisso e adaptado à sociedade (o que fazemos delas). Agora fico pensando no que ele pode se transformar, em como lidar com esse verdadeiro self num mundo de hiposcrisia que exclui todos os que nao se adaptam.

Alguns escrevem e dizem que pensam “como fulano de tal”, que vivem como um famoso sicrano, ou que criticam aquilo que no fundo são. Essas pessoas não são. São pessoas que não vivem. São infelizes em seu desprezo pelas outras pessoas e pela vida em si. São infelizes e arrotam que não são. Pessoas assim são apenas o que aprenderam nos livros. Ou não são. Acreditam que a sua genialidade é algo que se transmite por osmose, diretamente, do escritor para o leitor. Não! As coisas não funcionam assim, meus caros! Não acredito em alguém que escreve sobre o que não conhece. Mas o que é isso então? Psicografia? Havemos que viver! Ou então viveremos a fazer rodeios nos primeiros parágrafos, dizer que não somos adeptos disso ou daquilo e lá adiante, nos contradizer e nos igualar aos medíocres. Apenas manipular a verdade não garante que podemos conhecê-la, digeri-la e dispor dela quando necessário for.

Escrevo porque sinto. Escrevo porque vivo. Não escrevo, nem sinto, nem vivo a vida dos outros. Não escrevo o que leio, mas o que penso sobre o que leio. Penso sobre o que leio. Vivo e escrevo meu próprio enredo. Escrevo poesia.
Em Fahrenheit 451, filme de Truffaut, os livros são os algozes da humanidade. Tornam infelizes e agonizantes as pessoas que os devoram e essas, fundem-se a eles e passam a assumir seus nomes, suas histórias. Perdem suas identidades e passam a se chamar, por exemplo: “Em Busca do tempo Perdido”, “Odisséia”, “As Flores do Mal”. Conheço pessoas assim.
Mas, voltando ao Truffaut, sejamos justos. O filme é um protesto pela Literatura, pelo amor aos livros. Porém, se escrevêssemos apenas o que sabemos dos livros, o que seria de nossos leitores? O que seria dos leitores do mundo se não pudessem ler Proust, Homero, Baudelaire?

Escrevo minha verdade porque não posso desembainhá-la sob pena de atingir, de ferir, com uma crueldade que não é admitida na sociedade. A minha visceral verdade, que, como a tela de Salvador Dali, é o meu Belo. A função da poesia, na Poética de Aristóteles, é a de apenas agradar e instruir. Tempos depois ela ganha outra função, e com ela o direito de produzir a Beleza. Por isso, nos séculos posteriores, a contemplação estética, o juízo de gosto e o sentido do belo passam a ser autônomos e distintos.

A verdade da arte não é igual a verdade da ciência. Os verdadeiros pensadores não se recusam a ler as mais diversas obras literárias, e sabem fazer a distinção coerente entre a poesia e o pensamento científico. Uma não invalida ou desmerece a outra, uma vez que ambas colaboram com a educação do homem, a compreensão do mundo, a fruição. Baudelaire escreveu que ‘a poesia nada tem a ver com a verdade’. No fundo, a afirmação revela a superioridade da Poesia, cujo conceito de verdade está ligado ao Bem superior. Diz Baudelaire: “A imaginação é a rainha do verdadeiro”. Verdade ou mentira? Quem dá a cara à tapa, que suporte a dor. Há quem apague de seus comentários impressões negativas, que esconda de sua biografia atos vergonhosos, e há também quem se julgue tão superior que não permita ser criticado, ainda que se exponha a escrever textos. Preterir a poesia é negar a beleza, a verdade. Será que ser poeta é o refúgio para o verdadeiro self?

Benedito Nunes, filósofo paraense, me presenteou com uma dedicatória em seu livro “Hermenêutica e Poesia”, que dizia: “Michelly, há uma ponte entre a Filosofia e a Poesia, cuja distância é de apenas um passo”. Na ocasião, pensei em dizer a ele: “Mestre, depende do tamanho do pé” e hoje, diante desse texto eu digo: “Depende do tamanho do ego”.


ps. Tela de Salvador Dali "Angústia"