quarta-feira, 20 de maio de 2009

Aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo, em cima do muro. Cazuza


Tomar café na padaria é um hábito que me aproxima da realidade. Eu vejo o cara que toma café no mesmo horário pedir um pingado e um chapeado. Reparo na velha que compra o pão e conversa com o atendente enquanto pesa o produto. Observo quando entra o empresário que logo senta para ler o jornal e limpa as migalhas do seu paletó. E quando chega a garota sarada que logo chama a atenção ou pelas pernas torneadas ou porque briga com o cachorro que não para de latir, enquanto a babá vem empurrando o carrinho do bebê e compra o queijo fresco para o café da manhã. Escuto a conversa dos funcionários. O que não dormiu bem porque ficou até tarde vendo o jogo na TV. A mulher do caixa, que chegou atrasada porque o filho deu escândalo na porta da escola. É um exercício antropológico.

Ali o único momento que separa o princípio do prazer do princípio de realidade – mas isso Freud explica melhor – é o primeiro gole de café quentinho. Ele parece ser o marco zero do meu dia. Afinal, já não tenho mais tantos vícios e as virtudes não servem tanto para nos humanizar quanto os vícios. Eu me sinto mais humana se tomo o café na padaria e paro para pensar em como irei organizar as primeiras horas do meu dia, enquanto alimento meu vício sobrevivente: a leitura.

Leio numa crônica do Jabor uma frase fantástica, “Eu lucro sendo um cara legal que denuncia o Mal e, assim, escapo da fome, comendo a comida de quem lamento”, que me inspira para uma crítica sobre a sociedade contemporânea. Mas não se trata das personagens da padaria, que isso fique bem claro, está apoiada em outras leituras “inúteis” do meu cotidiano, como acham alguns mortais sobre essa minha mania de ler sociologia, filosofia e psicanálise. Para essas criaturas não importam nem essa minha crítica mal feita nem a dialética do esclarecimento de Adorno. O que importa na vida é “se dar bem” = a ser inteligente = ser rico, ainda que à custa de muitos dos que passam fome. E eu fico aqui pensando se eu não deveria aprender a viver despretensiosa e futilmente, pelo menos assim a crueldade do mundo passe despercebida para mim, à margem de minha felicidade. Deve ser tão legal pensar só em si mesmo, sufocar os neurônios com esmalte, fazer charme para conseguir o que quer (isso inclui sexo, ok?). Que bobagem esse negócio de estudar, ler, filosofar, considerar, discordar. Pensar é tão inútil quando se tem uma bunda. Como eu sou mulher, talvez uma balançada de cabelo e uma rebolada já me sirvam como passaporte para uma vida confortável, não é mesmo?

Estou ácida de novo. Pensar adoece. Mas que carma esse de nascer com um estúpido interesse pelo conhecimento. Seria tão mais prático passar o semestre planejando o modelo do meu abadá para a micareta.

Algumas pessoas acreditam que se ocupar de educação e conhecimento é uma coisa estúpida. A “parada” é ganhar dinheiro. Seria mais inteligente de minha parte escrever um bestseller? Com uma biografia como a minha não seria difícil ter inspiração. Então, em meu exercício de reflexão – embora isso também não seja útil nos dias de hoje – concluo que não vale mais a pena praticar o bem porque, segundo eu li no Jabor, “o mal é hoje uma necessidade social”. Absolvidos em nosso egoísmo por alguns famosos personagens da história que foram piores do que todos nós somos ou já fomos, utilizamos o mal como mecanismo de defesa. A culpa não é minha, a culpa é de alguém! E assim vamos vivendo à margem dessa realidade, só na onda do princípio do prazer! Segura essa, Freud! O bem-estar da civilização pós-moderna!
Quando minha avó morreu é que fui perceber um bocado de coisas e reavaliar até que ponto e em que ponto a vida vale realmente a pena. Foi isso o que ela fez. Mergulhou de cabeça na vida, nos amores, nas dores. Foi amiga de todos, até dos inimigos. Gastou tudo o que tinha para conhecer uma boa parte do mundo, tomou todos os porres que quis, fumou desmesuradamente, se fartou de delícias e pasmem, ainda leu muitos livros. Tudo que lhe sobrava ela sempre compartilhava, distribuía, generosamente, e por isso ela nunca esteve só, não pelo valor, pois às vezes era um simples prato de comida, outras uma palavra amiga, mas pelo gesto. Não deixou 10 centavos no banco, mas centenas, milhares de pessoas lembram seu nome e narram suas histórias, seus ensinamentos de vida, suas aventuras. Não foi exatamente um exemplo de sucesso, mas foi feliz.
Morreu feliz! Parece simples?

Não é.

Agora eu fico pensando em que devo acreditar. Em quem eu devo acreditar? Freud? Adorno? Jabor? No poeta? Ou em minha avó? Mas que mania inútil essa de pensar...

sábado, 9 de maio de 2009