quarta-feira, 21 de abril de 2010

"Pensar é um mau uso da mente" Robert Wong


Entrevistei um palestrante muito inteligente, espirituoso e afável, Robert Wong, no saguão do Crowne Plaza, em Belém. Fico muito agradecida pela experiência de, em aproximadamente 30 minutos, apreender tantos conceitos em tão curto espaço de tempo. Amadurecemos com as vivências e não com o tempo que passa. Mesmo porque podemos passar por eles, inertes. E quando falávamos de vivência, ele enfatizava o desprezo pelo passado enquanto trauma ou fato negativo. De fato, eu também concordo que devemos aprender com os fatos negativos, amadurecer e fazer diferente, ao invés de incorrer nos mesmos erros, como uma espécie de círculo vicioso. Valeu!

Robert Wong é autor dos livros “O sucesso está no equilíbrio” e “Super Dicas para conquistar um ótimo emprego”. Graduou-se em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e cursou pós-graduação na Inglaterra com uma bolsa da Confederation of British Industry Scholar. Considerado pela revista The Economist um dos 200 mais destacados headhunters do mundo, Wong oferece, entre outros serviços, palestras, coaching, consultoria e desenvolve projetos para empresas. Trabalha há 27 anos como headhunter.

P= Quais os caminhos para alcançar o sucesso?
R= O maior investimento está no potencial humano. Sempre precisamos ter em mente que não utilizamos sequer 10% do nosso potencial humano e esta tem sido a meta do meu trabalho com as pessoas, o que chamo de RSPV, ou seja, ajudar o indivíduo (que significa um ser “não divisível”) a “Realizar Seu Verdadeiro Potencial”.

P= Como desenvolver esse potencial?
R=No mundo atual prevalece o desequilíbrio, causado principalmente pelo fato do ser humano estar hoje mais normal, que é seguir as normas da sociedade e estas são “normalmente” falsas e hipócritas, ao invés de ser natural, ou seja seguir as leis da Natureza que são absolutas. Isto leva à adesão de valores uniformes produzidos pela Padronização Cultural e a consequente perda da identidade. Os mecanismos que utilizo partem da premissa do autoconhecimento que, por sua vez, gera a autoconfiança. Cada pessoa nasce com um dom, que pode traduzido como benção ou presente, mas é preciso des-cobrir, desenvolver e compartilhar esse dom por meio de ações e transmitir essa visão privilegiada a outras pessoas.

P= Quem será o profissional do futuro?
R= Não faz bem pensar em demasiado no futuro. Precisamos pensar mais o presente e o presente requer autoconhecimento, auto-reflexão e autoconfiança para que tenhamos sucesso. Bill Gates abandonou a Universidade porque acreditava que ela o engessava. Ele certamente possuía essa autoconfiança, fruto da consciência que tinha de sua capacidade. Como você explica um homem que cursou Harvard, o americano Barack Obama, e outro que só terminou o ensino médio, nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegarem à Presidência dos seus respectivos países? De novo, a Autoconfiança!

P= Mas a auto-reflexão nem sempre gera autoconfiança...
R= Isso acontece porque a informação só tem valor real quando se transforma em conhecimento e, por conseguinte, em compreensão. Não alcançar esse estado de consciência ou compreensão sobre o que somos e o que queremos ser reflete um comportamento autosabotador que cerra os ouvidos para nosso chamado, que nos revela a nossa verdadeira vocação, que é o sinônimo de voz interior.

P= O que prevalece, a teoria ou a pratica?
R= Ambos, ou seja, a conjunção entre elementos da teoria e da prática. Isso é o que produz o enriquecimento do ser humano e o alcance da nossa maior riqueza, a sabedoria. Encontrar a vocação é uma coisa que apenas você pode fazer, abrindo todos os canais interiores para a compreensão de suas potencialidades e assim, finalmente, alcançar a liberdade, o sentimento mais nobre no ser humano.

P= ... Não seria a capacidade de amar ao próximo?
R= Amor é um sentimento maravilhoso, mas transforme a palavra amor no verbo amar, sempre com equilíbrio, pois, amar demais se transforma em paixão, que advém da palavra grega “pathos” que, por sua vez, significa dor, sofrimento, patologia, doença. Amar é criar condições para que a pessoa amada possa conhecer e desenvolver seu potencial, e não simplesmente proteger e dar demonstrações de afeto. Então, comece por amar a si próprio, dando condições para você realizar seu verdadeiro potencial!

P= Qual o caminho para alcançar o equilíbrio?
R= Meditar. Mas a prática da meditação com essa finalidade não consiste em apenas sentar em posição de lótus ou entoar mantras e sim centrar-se em uma atividade do presente e a ela dedicar toda a sua atenção. Meditação é estar no meio ou no centro da ação ou atividade inserido no tempo presente. Estou neste momento meditando com você, pois estou totalmente aqui nesta entrevista. O maior problema das pessoas é que elas falam com você e estão pensando em outras coisas ao mesmo tempo; assim perdem o foco e embotam o potencial do cérebro. Melhor do que pensar, que está ao nível da mente, é sentir, que leva sua conscientização ao nível do coração, da alma. Uma grande diferença!

O sucesso está no equilíbrio
WONG, Robert
Editora: Campus
216 pgs.
Resenha: O equilíbrio é a chave do sucesso pessoal e profissional e pode ser alcançado por meio de uma viagem interior, de autoconhecimento. O autor mostra neste livro que a sabedoria não é um privilégio de filósofos, mas surge de uma combinação entre as teorias (conhecimento) e práticas (experiência) assimiladas ao longo da vida.
Baseado em sua vivência e na combinação de três diferentes culturas, a chinesa, a anglo-saxônica e a brasileira, ele desenvolve o conceito de genuíno interesse e de como viver a vida, em todos os seus pequenos momentos, com inspiração e plenitude. Neste livro, Wong ensina como equilibrar a vida profissional, pessoal e espiritual para atingir um estado de equilíbrio, sabedoria.

domingo, 4 de abril de 2010

De onde vêm as sapatilhas de balé?


Eu ouço as pessoas falarem de tradição, ultimamente, e vejo a movimentação dos cerimoniais, e não posso deixar de publicar esta resenha, apresentada à Candido Mendes, como uma indicação de leitura aos que tiverem interesse em saber melhor a respeito da origem e da invenção das tradições*. Enquanto isso, fico na ponta dos pés, para ver melhor!

No livro “A invenção das Tradições”, Hobsbawm e Ranger propõem o estudo do surgimento das tradições nas sociedades, ora como comportamentos inventados, construídos e institucionalizados, ora como estabelecidos sem a certeza das origens ou de como surgiram pela primeira vez, assim como, o que os explica.
Junto a outros pesquisadores e historiadores, Hobsbawm explica a origem de diversas tradições como o saiote kilt da Escócia – país campeão na invenção de tradições - entre outras das Terras Altas; a decadência e morte das tradições no País de Gales, que Hugh Trevor-Roper diz ser: “um exótico fim de mundo onde aristocratas que mal tinham o que vestir desfiavam intermináveis árvores genealógicas que partiam de Enéias de Tróia, uma região irremediavelmente atrasada” (p. 55).

No capítulo Contexto, execução e significado do ritual: a monarquia Britânica e a “Invenção da Tradição”, David Cannadine chama os cerimoniais monárquicos da Inglaterra de verdadeiros espetáculos de tão competentes e eficientes que são e explica que os sociólogos se ocuparam do estudo desses cerimoniais partindo de uma perspectiva durkheimiana (funcionalista) à medida que seus significados reforçam valores no povo. O significado destas cerimônias é, portanto, neste capítulo, o objeto de estudo principal.

A principal tese do livro - as “tradições inventadas” – são aprofundadas no capítulo “A produção em massa de tradições: Europa, 1870 a 1914”, em que Hobsbawm define como comportamentos que obedecem a regras aceitas e internalizadas pelo senso comum e, que são de natureza ritual ou simbólica, sempre com a finalidade de instituir normas de comportamento e outros valores morais, criando uma ligação com o passado seja para validar a “tradição” em questão, seja para dar continuidade a algo que teve um episódio no passado, por isso mesmo essas tradições geralmente estabelecem, segundo o autor, que quando uma tradição se refere a uma época determinada, tende a ser uma continuidade da história que não parece natural, uma vez que essa referência institui a repetição imprescindível dos comportamentos.

Este tema tem ocupado diversos estudiosos, justamente, pelo contraste entre os novos comportamentos do mundo moderno e pósmoderno e a realidade em que essas tradições surgiram como tentativa de tornar eternos certos valores da sociedade.
Entre “tradição” e “costume” deve-se estabelecer uma diferença, pois, nas sociedades predominantemente tradicionais, a principal característica é a invariabilidade, ou seja, não há mudança nem adaptação. Já os costumes não conseguem resistir nem impossibilitar as inovações, ainda que sempre encontrem uma forma de estabelecer um comprometimento histórico.

Para exemplificar esse processo, o autor explica que no exercício da magistratura, o ofício em si é a “tradição”, já os acessórios tais como peruca, toga e demais rituais que compõem sua atuação, fazem parte da “tradição inventada”. Observando as tradições criadas a partir da Revolução Industrial temos categorias que se superpõem: “as que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status, ou relação de autoridade, e aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de idéias, sistemas de valores e padrões de comportamento” (Op. Cit., p. 17).


Hobsbawm se apoiou na antropologia para estabelecer as diferenças entre o que foi inventado e os costumes tradicionais e verificou que há uma diferença notável entre essas práticas, sendo as mais antigas de caráter coercivo e as “inventadas”, sem valorização de valores morais, direitos e obrigações, e assim, não cumpriu o papel de ocupar uma lacuna da decadência das tradições antigas, especialmente nos séculos XIX e XX, em que as sociedades modernas conferem pouca ou nenhuma importância a elas, só tomando consciência, por exemplo, da cidadania, diante de símbolos.

Cerimônias públicas foram inventadas e a mais importante delas aconteceu a partir de 1880, com o Dia da Bastilha em uma fusão de manifestações oficiais e não-oficiais e festas populares e, a partir de então a “tendência geral era transformar a herança da Revolução como expressão conjunta de pompa e poder do estado e da satisfação dos cidadãos” (p. 279). As “tradições inventadas” têm funções políticas e sociais, mas é preciso que observemos em que medida elas podem ser manipuladas.
A produção em massa de monumentos públicos, sempre imponentes, entre edifícios e estátuas, que por sua vez, ajudam na interpretação da história, como ocorreu na Alemanha com o Niederwald, em comemoração à unificação do país e o novo edifício do Reichstag, com metáforas históricas na fachada entre outros tantos símbolos. Precisamos identificar ainda a distinção entre “tradição” e “convenção da rotina”; esta última sem qualquer função simbólica nem ritualística “a gerar um certo número de convenções e rotinas, formalizadas de direito ou de fato, com o fim de facilitar a transmissão do costume” (p.11).

Quando comportamentos e rotinas não têm caráter ideológico, explica o autor, não podem ser consideradas “tradições inventadas”, ainda que estas últimas sofram interferências, como por exemplo, a Igreja católica, que se adequa a um novo público composto pelos fieis; e instituições como o exército que, hoje já recebe mulheres em sua corporação. Outras práticas tradicionais como as de folclore e cultura popular também sofreram modificações em vista de outros novos propósitos, inclusive nacionalistas.

A importância desse estudo, para o autor, perpassa a história das sociedades e suas relações atuais com o passado, uma vez que as tradições, quando inventadas, fazem uso da história para poder legitimá-las, especialmente porque elas têm implícito um interesse predominantemente nacionalista, porque sempre desenvolveram papel fundamental na manutenção das sociedades como ocorreu com os regimes monárquicos, que salvaguardaram algumas nações contra o socialismo e a direita.


Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2009.

* Resenha do livro: A Invenção das tradições, organizado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger – tradução de Celina Cardim Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 5ª edição, 2008.