terça-feira, 9 de junho de 2009
Amor é apenas um roteiro?
Belém, Pará. Sábado, 6 de junho de 2009. Tomava um café com minha bisavó de 89 anos, enquanto ela me confidenciava que tivera uma discussão com meu bisavô (a essa altura contam 70 anos de casamento), pois, ele ainda queria desfrutar de sua admirável disposição sexual, aos 93 anos, enquanto ela com sua intimidade já atrofiada e castigada pelo parto de 11 filhos, além de sua frágil capacidade pulmonar, não concebia qualquer possibilidade de ceder aos apelos do seu “velho”, no que ele disse bem contrariado: “Bem que minha mãe dizia que no final da vida eu não ia ter mulher”. Ela respondeu, com sua voz angelical e naquele instante, profética como uma deusa: “Você tem mulher sim, e terá até que eu morra”.
Já há alguns meses eu refletia sobre a maturidade nos relacionamentos e sobre como as relações se transformaram ao longo desses anos, dificultando o sentimento que a cada dia se torna, apenas, uma página de livro. O amor romântico acabou? Eu pensava que sim. Que isso era um gênero de literatura apenas e então eu me apaixonei pelo ideal de amor. Mas ao reencontrar esse casal, que há cinco gerações vem construindo e conservando esse bicho estranho, incômodo, desafiador, penso que talvez eu tenha o privilégio de ser testemunha de algo que confirma a possibilidade de acreditar e até mesmo, de viver um grande e verdadeiro amor.
Parece que a necessidade de amar foi substituída pela reflexividade como condição para definição dos limites pessoais a fim de preservar a individualidade. Em outras palavras, as pessoas agora querem crer: "melhor estar só do que bem acompanhado". O descompromisso como um troféu, uma vitória. Eu confesso que muitas vezes já me vangloriei de ter aquela cama imeeeeensa só pra mim, de poder dormir sem escovar os cabelos ou mesmo com aquele sortinho desbotado de água sanitária. Mas aí me lembro de como é bom pensar pra mim e pra ti. Brigas e bicos. Risadas e dengos. Sorvete no domingo. Chamego na rede. Dormir de conchinha. Sexo no meio da madrugada quando os corpos se encaixam e outras coisas também. Sou velha como minha bisavó. Acredito no que já acabou. Todo o resto pode acabar. O amor permanece em mim, como um fio condutor, pois, como ela disse, foi o único legado que Ele nos deixou (minha bisavó é muito religiosa). O amor existe e eu vou ao encontro dele em águas profundas, como uma sereia indomada e solitária, e se encalhar, será sob ele, ainda que ele esteja há muitos quilômetros de distância, ainda que ele seja apenas um roteiro.
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A minha casa de praia em Barra de Cunhaú-RN, pertenceu a Seu Bitonho. Ele viveu 114 anos fazendo tudo. Meus pais já veraneavam nessa praia -um imenso coqueiral nativo em cima de morros, de frente para uma barra - na década de 1950. Eu era criança e ouvia falar que Seu Bitonho era então, o homem mais velho do RN. Poucos anos antes de sua morte, nos anos oitenta, não acreditei na palavra de um seu trineto que ele ainda era vivo. Fomos até a casa de Seu Bitonho.Pela rapidez em que se levantou da cadeira para falar comingo acreditei em tudo. Ainda usava a enxada ensaiava subir coqueiro utilisando umas alças. Depois de muita conversa perguntei numa linguagem que ele entendia muito bem: Ainda fura couro? E ele responde de bate pronto: "furo. Só não tenho com quem".
ResponderExcluirO amor está apenas a alguns Km, 30 talvez...mas a vida é feita de escolhas, não é mesmo? Resta saber que não se pode ter tudo. Melhor ainda seria assumir as tais escolhas. Se a vida é mesmo uma ficção, então essa dor no peito não passa de um roteiro fadado ao fracasso, um astronauta no Chipre...que está a mais de 3.000 km! Enfim. O amor é a única coisa real nessa existênia. É o que permanece. Porém poucos olhos podem reconhecê-lo. Ele está além das páginas dos livros. Sempre esteve e sempre estará. Resta saber em que águas mergulhar.
ResponderExcluirDe minha parte, abandono agora os roteiros. Eu quero a ação. Exterior, dia , mar, circo voador. Até que essa ficção em um idioma incompreesível se esvaia. Como um best seller esquecido. Como a velha discussão sobre os gêneros, há muito ultrapassada pela antropologia.
Ah, minha amiga, como é bom te ler. E entendendo muito bem essas novas "marés" rômanticas que mergulhas, (ó ironia, sempre na cidade das águas grandes), percebo a cada dia o quanto destemida e incrível és. Te amo muito viu? E se precisar de salva-vidas, aqui estou!
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Com exemplos raros que tens, entendo bem a sua visão linda do amor. Esse texto é inspirador!
ResponderExcluirBeijos!
Isso me lembra o clichê das combranças sociais sobre nós mulheres. Em contrapartida, reflito sobre os relacionamentos efêmeros dessa tal contemporâneidade. Ôh... Santa Individualidade, venerada até quando?
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