segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Nada muda na melancolia de Belém!


Belém faz 394 anos. Caminho pela avenida que um dia já foi três chic com meu filho, na volta de um passeio pelo renomado Museu Emilio Goeldi (e que nos impressionou pelo descuido e depredação). Lamentamos ainda o quanto o homem amazônico despreza seus patrimônios, suas calçadas, seus conterrâneos. Jogam lixo a todo momento de suas mãos, suas bolsas, seus carros. O inusitado é encontrar quem o faça de modo discreto. Não há vergonha porque não há civilidade. Os domingos são eleitos em Belém por seu povo para sujar as ruas, as praças, os transportes coletivos e um ou outro belenense mais inspirado há de jogar um côco da janela do ônibus depois de sorver o néctar de sua água doce.

É época das mangas maduras. É delicioso ouvir quando elas caem no meio da rua. Um som que somente um paraense saberia reconhecer. Mas agora há os carros e os garotos do mercado informal que se apressam em recolhê-las ainda verdes das árvores, a prestar um serviço público para que não nos caiam mangas na cabeça, ou mesmo causar prejuízos nos veículos. É o preço dos tempos de hoje. Tivemos sorte, eu e Iago. Atravessamos a rua e “pá”, aquele estalo seco e lá estava ela, amarelo-esverdeada, amolecida na parte que bateu e com irresistível aroma. Foi um momento inesquecível: a primeira manga que meu filho pegou na rua. Cortei para incrementar a salada e chupei a parte mole, claro! Agora corremos muito se quisermos pegar uma manga dessas, pois, é uma avenida movimentada. Em dias de semana mais parece Bombaim, uma das cidades mais exóticas e autênticas da Índia, em que carros, animais, bicicletas e pessoas disputam qualquer ínfimo espaço. Não há qualquer organização ou lei.

Perdemos o ritmo das restaurações, do orgulho, das iniciativas que algumas pessoas que estiveram no poder (embora de gosto duvidoso) primaram em deixar como legado para um povo que em quase quatro séculos desconhece sua história, seus filhos mais ilustres, sua obra mais eterna. Poucos leram e reconheceram o que havia de maior nos nossos homens. Tudo é efêmero na Belém de hoje. Como diz o dito popular: “A terra do já teve”. As pessoas continuam não compreendendo o que fazem e o que esperam dos próximos dias. Os serviços continuam sendo o reflexo do grosso modo com que as pessoas cuidam de suas próprias vidas, cuja maior preocupação é a vida alheia e, em segundo lugar, o hábito de viver das aparências. Outro dia alguém atentou para o fato de tomarmos suco de manga da Coca Cola. Sim, porque as mangas que caem agora, se não tivermos sorte de pegá-las no momento em que caem, compramos ainda verdes dos ambulantes e não há quem queira amadurecê-la nas gavetas, enroladas nos jornais, como faziam nossos avós. É mais prático enfrentar uma fila no estacionamento do supermercado e comprá-las na caixa tetra pak da multinacional.

A Paris N´América perdeu os filhos mais ilustres, senão pela finitude da vida, pelo esquecimento ou pela falência dos órgãos que os mantinham numa época verdadeira bela e fértil, em que a cidade imprimia em seus autênticos belenenses um orgulho sem igual, até mesmo os que eram paraenses apenas de coração. Os que ainda restaram, estão morrendo sem o devido reconhecimento. Belém, hoje, lembra mais a fétida França do século XVII, arrasada pelas guerras, cheia de esgoto, mau cheiro e desorganização. Só que agora, quatro séculos depois, a Belém que foi a primeira cidade do Brasil a ter luz elétrica está arrasada por uma sem-governança. A cidade do patchouli fede. Perdemos todos a vergonha. Quando saímos e alguém nos trata mal ou aos nossos visitantes, dizemos: “Ah! Não esquenta. Deixa pra lá.” Não deixo. Lá fora eu falo com entusiasmo, defendo com fervor. Aqui eu conto o que me entristece, enfurece ou enlouquece, e não são poucas coisas. Chega de falar de tucupi, patchouli e açaí. Assunto besta é discutir sobre o caranguejo cuspido. O calor continua e quando chove, este rio é minha rua! A verdade, meus caros, é que Belém é um belo retrato na parede, mas como dói!

Foto de Ulisses Parente