quarta-feira, 21 de abril de 2010

"Pensar é um mau uso da mente" Robert Wong


Entrevistei um palestrante muito inteligente, espirituoso e afável, Robert Wong, no saguão do Crowne Plaza, em Belém. Fico muito agradecida pela experiência de, em aproximadamente 30 minutos, apreender tantos conceitos em tão curto espaço de tempo. Amadurecemos com as vivências e não com o tempo que passa. Mesmo porque podemos passar por eles, inertes. E quando falávamos de vivência, ele enfatizava o desprezo pelo passado enquanto trauma ou fato negativo. De fato, eu também concordo que devemos aprender com os fatos negativos, amadurecer e fazer diferente, ao invés de incorrer nos mesmos erros, como uma espécie de círculo vicioso. Valeu!

Robert Wong é autor dos livros “O sucesso está no equilíbrio” e “Super Dicas para conquistar um ótimo emprego”. Graduou-se em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e cursou pós-graduação na Inglaterra com uma bolsa da Confederation of British Industry Scholar. Considerado pela revista The Economist um dos 200 mais destacados headhunters do mundo, Wong oferece, entre outros serviços, palestras, coaching, consultoria e desenvolve projetos para empresas. Trabalha há 27 anos como headhunter.

P= Quais os caminhos para alcançar o sucesso?
R= O maior investimento está no potencial humano. Sempre precisamos ter em mente que não utilizamos sequer 10% do nosso potencial humano e esta tem sido a meta do meu trabalho com as pessoas, o que chamo de RSPV, ou seja, ajudar o indivíduo (que significa um ser “não divisível”) a “Realizar Seu Verdadeiro Potencial”.

P= Como desenvolver esse potencial?
R=No mundo atual prevalece o desequilíbrio, causado principalmente pelo fato do ser humano estar hoje mais normal, que é seguir as normas da sociedade e estas são “normalmente” falsas e hipócritas, ao invés de ser natural, ou seja seguir as leis da Natureza que são absolutas. Isto leva à adesão de valores uniformes produzidos pela Padronização Cultural e a consequente perda da identidade. Os mecanismos que utilizo partem da premissa do autoconhecimento que, por sua vez, gera a autoconfiança. Cada pessoa nasce com um dom, que pode traduzido como benção ou presente, mas é preciso des-cobrir, desenvolver e compartilhar esse dom por meio de ações e transmitir essa visão privilegiada a outras pessoas.

P= Quem será o profissional do futuro?
R= Não faz bem pensar em demasiado no futuro. Precisamos pensar mais o presente e o presente requer autoconhecimento, auto-reflexão e autoconfiança para que tenhamos sucesso. Bill Gates abandonou a Universidade porque acreditava que ela o engessava. Ele certamente possuía essa autoconfiança, fruto da consciência que tinha de sua capacidade. Como você explica um homem que cursou Harvard, o americano Barack Obama, e outro que só terminou o ensino médio, nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegarem à Presidência dos seus respectivos países? De novo, a Autoconfiança!

P= Mas a auto-reflexão nem sempre gera autoconfiança...
R= Isso acontece porque a informação só tem valor real quando se transforma em conhecimento e, por conseguinte, em compreensão. Não alcançar esse estado de consciência ou compreensão sobre o que somos e o que queremos ser reflete um comportamento autosabotador que cerra os ouvidos para nosso chamado, que nos revela a nossa verdadeira vocação, que é o sinônimo de voz interior.

P= O que prevalece, a teoria ou a pratica?
R= Ambos, ou seja, a conjunção entre elementos da teoria e da prática. Isso é o que produz o enriquecimento do ser humano e o alcance da nossa maior riqueza, a sabedoria. Encontrar a vocação é uma coisa que apenas você pode fazer, abrindo todos os canais interiores para a compreensão de suas potencialidades e assim, finalmente, alcançar a liberdade, o sentimento mais nobre no ser humano.

P= ... Não seria a capacidade de amar ao próximo?
R= Amor é um sentimento maravilhoso, mas transforme a palavra amor no verbo amar, sempre com equilíbrio, pois, amar demais se transforma em paixão, que advém da palavra grega “pathos” que, por sua vez, significa dor, sofrimento, patologia, doença. Amar é criar condições para que a pessoa amada possa conhecer e desenvolver seu potencial, e não simplesmente proteger e dar demonstrações de afeto. Então, comece por amar a si próprio, dando condições para você realizar seu verdadeiro potencial!

P= Qual o caminho para alcançar o equilíbrio?
R= Meditar. Mas a prática da meditação com essa finalidade não consiste em apenas sentar em posição de lótus ou entoar mantras e sim centrar-se em uma atividade do presente e a ela dedicar toda a sua atenção. Meditação é estar no meio ou no centro da ação ou atividade inserido no tempo presente. Estou neste momento meditando com você, pois estou totalmente aqui nesta entrevista. O maior problema das pessoas é que elas falam com você e estão pensando em outras coisas ao mesmo tempo; assim perdem o foco e embotam o potencial do cérebro. Melhor do que pensar, que está ao nível da mente, é sentir, que leva sua conscientização ao nível do coração, da alma. Uma grande diferença!

O sucesso está no equilíbrio
WONG, Robert
Editora: Campus
216 pgs.
Resenha: O equilíbrio é a chave do sucesso pessoal e profissional e pode ser alcançado por meio de uma viagem interior, de autoconhecimento. O autor mostra neste livro que a sabedoria não é um privilégio de filósofos, mas surge de uma combinação entre as teorias (conhecimento) e práticas (experiência) assimiladas ao longo da vida.
Baseado em sua vivência e na combinação de três diferentes culturas, a chinesa, a anglo-saxônica e a brasileira, ele desenvolve o conceito de genuíno interesse e de como viver a vida, em todos os seus pequenos momentos, com inspiração e plenitude. Neste livro, Wong ensina como equilibrar a vida profissional, pessoal e espiritual para atingir um estado de equilíbrio, sabedoria.

domingo, 4 de abril de 2010

De onde vêm as sapatilhas de balé?


Eu ouço as pessoas falarem de tradição, ultimamente, e vejo a movimentação dos cerimoniais, e não posso deixar de publicar esta resenha, apresentada à Candido Mendes, como uma indicação de leitura aos que tiverem interesse em saber melhor a respeito da origem e da invenção das tradições*. Enquanto isso, fico na ponta dos pés, para ver melhor!

No livro “A invenção das Tradições”, Hobsbawm e Ranger propõem o estudo do surgimento das tradições nas sociedades, ora como comportamentos inventados, construídos e institucionalizados, ora como estabelecidos sem a certeza das origens ou de como surgiram pela primeira vez, assim como, o que os explica.
Junto a outros pesquisadores e historiadores, Hobsbawm explica a origem de diversas tradições como o saiote kilt da Escócia – país campeão na invenção de tradições - entre outras das Terras Altas; a decadência e morte das tradições no País de Gales, que Hugh Trevor-Roper diz ser: “um exótico fim de mundo onde aristocratas que mal tinham o que vestir desfiavam intermináveis árvores genealógicas que partiam de Enéias de Tróia, uma região irremediavelmente atrasada” (p. 55).

No capítulo Contexto, execução e significado do ritual: a monarquia Britânica e a “Invenção da Tradição”, David Cannadine chama os cerimoniais monárquicos da Inglaterra de verdadeiros espetáculos de tão competentes e eficientes que são e explica que os sociólogos se ocuparam do estudo desses cerimoniais partindo de uma perspectiva durkheimiana (funcionalista) à medida que seus significados reforçam valores no povo. O significado destas cerimônias é, portanto, neste capítulo, o objeto de estudo principal.

A principal tese do livro - as “tradições inventadas” – são aprofundadas no capítulo “A produção em massa de tradições: Europa, 1870 a 1914”, em que Hobsbawm define como comportamentos que obedecem a regras aceitas e internalizadas pelo senso comum e, que são de natureza ritual ou simbólica, sempre com a finalidade de instituir normas de comportamento e outros valores morais, criando uma ligação com o passado seja para validar a “tradição” em questão, seja para dar continuidade a algo que teve um episódio no passado, por isso mesmo essas tradições geralmente estabelecem, segundo o autor, que quando uma tradição se refere a uma época determinada, tende a ser uma continuidade da história que não parece natural, uma vez que essa referência institui a repetição imprescindível dos comportamentos.

Este tema tem ocupado diversos estudiosos, justamente, pelo contraste entre os novos comportamentos do mundo moderno e pósmoderno e a realidade em que essas tradições surgiram como tentativa de tornar eternos certos valores da sociedade.
Entre “tradição” e “costume” deve-se estabelecer uma diferença, pois, nas sociedades predominantemente tradicionais, a principal característica é a invariabilidade, ou seja, não há mudança nem adaptação. Já os costumes não conseguem resistir nem impossibilitar as inovações, ainda que sempre encontrem uma forma de estabelecer um comprometimento histórico.

Para exemplificar esse processo, o autor explica que no exercício da magistratura, o ofício em si é a “tradição”, já os acessórios tais como peruca, toga e demais rituais que compõem sua atuação, fazem parte da “tradição inventada”. Observando as tradições criadas a partir da Revolução Industrial temos categorias que se superpõem: “as que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status, ou relação de autoridade, e aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de idéias, sistemas de valores e padrões de comportamento” (Op. Cit., p. 17).


Hobsbawm se apoiou na antropologia para estabelecer as diferenças entre o que foi inventado e os costumes tradicionais e verificou que há uma diferença notável entre essas práticas, sendo as mais antigas de caráter coercivo e as “inventadas”, sem valorização de valores morais, direitos e obrigações, e assim, não cumpriu o papel de ocupar uma lacuna da decadência das tradições antigas, especialmente nos séculos XIX e XX, em que as sociedades modernas conferem pouca ou nenhuma importância a elas, só tomando consciência, por exemplo, da cidadania, diante de símbolos.

Cerimônias públicas foram inventadas e a mais importante delas aconteceu a partir de 1880, com o Dia da Bastilha em uma fusão de manifestações oficiais e não-oficiais e festas populares e, a partir de então a “tendência geral era transformar a herança da Revolução como expressão conjunta de pompa e poder do estado e da satisfação dos cidadãos” (p. 279). As “tradições inventadas” têm funções políticas e sociais, mas é preciso que observemos em que medida elas podem ser manipuladas.
A produção em massa de monumentos públicos, sempre imponentes, entre edifícios e estátuas, que por sua vez, ajudam na interpretação da história, como ocorreu na Alemanha com o Niederwald, em comemoração à unificação do país e o novo edifício do Reichstag, com metáforas históricas na fachada entre outros tantos símbolos. Precisamos identificar ainda a distinção entre “tradição” e “convenção da rotina”; esta última sem qualquer função simbólica nem ritualística “a gerar um certo número de convenções e rotinas, formalizadas de direito ou de fato, com o fim de facilitar a transmissão do costume” (p.11).

Quando comportamentos e rotinas não têm caráter ideológico, explica o autor, não podem ser consideradas “tradições inventadas”, ainda que estas últimas sofram interferências, como por exemplo, a Igreja católica, que se adequa a um novo público composto pelos fieis; e instituições como o exército que, hoje já recebe mulheres em sua corporação. Outras práticas tradicionais como as de folclore e cultura popular também sofreram modificações em vista de outros novos propósitos, inclusive nacionalistas.

A importância desse estudo, para o autor, perpassa a história das sociedades e suas relações atuais com o passado, uma vez que as tradições, quando inventadas, fazem uso da história para poder legitimá-las, especialmente porque elas têm implícito um interesse predominantemente nacionalista, porque sempre desenvolveram papel fundamental na manutenção das sociedades como ocorreu com os regimes monárquicos, que salvaguardaram algumas nações contra o socialismo e a direita.


Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2009.

* Resenha do livro: A Invenção das tradições, organizado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger – tradução de Celina Cardim Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 5ª edição, 2008.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ulisses


As madrugadas
serenas, contigo.
As chuvas mais
lindas,
sonoras,
orvalho de jasmin.

Balé dos ventos
sopra ausências,
excessos,
folhas cambaleantes.
Aroma
de amoras.

Tua falta,
tua arte,
Infarta em mim.
Perder-te é
Redescobrir-me,
Reencontrar-te.

O mundo
Rodopia.
Um girassol
Iluminado
acende em mim,
ascendo em ti.

Unificados,
Entrelaçados,
Uníssonos,
Entorpecidos,
Unívocos,
Embevecidos.

És Odisseu
Eu, tua Calíope.
Muito esperei,
Canções cantei.
Um rio verti.
Ciclopes derrotei.

Somos parte
Um do outro
O reverso,
No outro,
O verso
No osso.

Teus gestos,
Gostos,
Gozos,
Idílios,
É sorte,
Amar-te.

És meu herói
há eras.
És Eros,
Imerso em mim
Profundo,
Desperta-me.

Foto de Ulisses Parente

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Nada muda na melancolia de Belém!


Belém faz 394 anos. Caminho pela avenida que um dia já foi três chic com meu filho, na volta de um passeio pelo renomado Museu Emilio Goeldi (e que nos impressionou pelo descuido e depredação). Lamentamos ainda o quanto o homem amazônico despreza seus patrimônios, suas calçadas, seus conterrâneos. Jogam lixo a todo momento de suas mãos, suas bolsas, seus carros. O inusitado é encontrar quem o faça de modo discreto. Não há vergonha porque não há civilidade. Os domingos são eleitos em Belém por seu povo para sujar as ruas, as praças, os transportes coletivos e um ou outro belenense mais inspirado há de jogar um côco da janela do ônibus depois de sorver o néctar de sua água doce.

É época das mangas maduras. É delicioso ouvir quando elas caem no meio da rua. Um som que somente um paraense saberia reconhecer. Mas agora há os carros e os garotos do mercado informal que se apressam em recolhê-las ainda verdes das árvores, a prestar um serviço público para que não nos caiam mangas na cabeça, ou mesmo causar prejuízos nos veículos. É o preço dos tempos de hoje. Tivemos sorte, eu e Iago. Atravessamos a rua e “pá”, aquele estalo seco e lá estava ela, amarelo-esverdeada, amolecida na parte que bateu e com irresistível aroma. Foi um momento inesquecível: a primeira manga que meu filho pegou na rua. Cortei para incrementar a salada e chupei a parte mole, claro! Agora corremos muito se quisermos pegar uma manga dessas, pois, é uma avenida movimentada. Em dias de semana mais parece Bombaim, uma das cidades mais exóticas e autênticas da Índia, em que carros, animais, bicicletas e pessoas disputam qualquer ínfimo espaço. Não há qualquer organização ou lei.

Perdemos o ritmo das restaurações, do orgulho, das iniciativas que algumas pessoas que estiveram no poder (embora de gosto duvidoso) primaram em deixar como legado para um povo que em quase quatro séculos desconhece sua história, seus filhos mais ilustres, sua obra mais eterna. Poucos leram e reconheceram o que havia de maior nos nossos homens. Tudo é efêmero na Belém de hoje. Como diz o dito popular: “A terra do já teve”. As pessoas continuam não compreendendo o que fazem e o que esperam dos próximos dias. Os serviços continuam sendo o reflexo do grosso modo com que as pessoas cuidam de suas próprias vidas, cuja maior preocupação é a vida alheia e, em segundo lugar, o hábito de viver das aparências. Outro dia alguém atentou para o fato de tomarmos suco de manga da Coca Cola. Sim, porque as mangas que caem agora, se não tivermos sorte de pegá-las no momento em que caem, compramos ainda verdes dos ambulantes e não há quem queira amadurecê-la nas gavetas, enroladas nos jornais, como faziam nossos avós. É mais prático enfrentar uma fila no estacionamento do supermercado e comprá-las na caixa tetra pak da multinacional.

A Paris N´América perdeu os filhos mais ilustres, senão pela finitude da vida, pelo esquecimento ou pela falência dos órgãos que os mantinham numa época verdadeira bela e fértil, em que a cidade imprimia em seus autênticos belenenses um orgulho sem igual, até mesmo os que eram paraenses apenas de coração. Os que ainda restaram, estão morrendo sem o devido reconhecimento. Belém, hoje, lembra mais a fétida França do século XVII, arrasada pelas guerras, cheia de esgoto, mau cheiro e desorganização. Só que agora, quatro séculos depois, a Belém que foi a primeira cidade do Brasil a ter luz elétrica está arrasada por uma sem-governança. A cidade do patchouli fede. Perdemos todos a vergonha. Quando saímos e alguém nos trata mal ou aos nossos visitantes, dizemos: “Ah! Não esquenta. Deixa pra lá.” Não deixo. Lá fora eu falo com entusiasmo, defendo com fervor. Aqui eu conto o que me entristece, enfurece ou enlouquece, e não são poucas coisas. Chega de falar de tucupi, patchouli e açaí. Assunto besta é discutir sobre o caranguejo cuspido. O calor continua e quando chove, este rio é minha rua! A verdade, meus caros, é que Belém é um belo retrato na parede, mas como dói!

Foto de Ulisses Parente

sábado, 5 de setembro de 2009

UM ENSAIO SOBRE “AMBIENTE NATURAL”


Nas imagens da exposição dos paraenses Ulisses Parente e Diogo Vianna a cena aguarda o olhar, não o homem, luz e sombra se interpõem para preencher o cenário, observando detalhes invisíveis ao olho menos educado para a arte, em que a fotografia como arte torna visível o que não era tão óbvio ao olho nu, tal como definiu Paul Klee sobre a arte. Se antes era questão crucial compreender como um material pode significar e a que tipo de significado ele chega, nesses tempos pós-modernos não é diferente, pelo menos na obra desses jovens fotógrafos que se propuseram dialogar entre si e com outros modos de expressão artística em um mesmo espaço, reiterando que a obra não depende do que lhe é exterior e a fruição sobre ela pode ser desinteressada.

Entre as discussões de teóricos podemos recorrer ao realismo desenvolvido por Bazin (1), em que o caminho percorrido pela fotografia possibilitou a libertação das artes plásticas do compromisso com a verossimilhança e, revelou aspectos que antes não eram observados quer seja pela falta de sensibilidade do olho, quer seja pela resistência ao que não se queria ver. Essa discussão acerca da fotografia como arte, ou da arte como fotografia se aprofunda na medida em que ela revela o inconsciente ótico, da mesma forma como a psicanálise decifra o inconsciente pulsional (2).
O diálogo sui generis entre grafitagem e fotografia proposto pelos artistas é, no mínimo, uma ousadia que arrebanha, porque possibilita que ambas as formas de expressão compartilhem um espaço que antes não era comum e essa pode ser a resposta para a surpreendente visitação registrada durante o evento, em que o interesse do espectador oscila entre curiosidade e fruição. Em “Ambiente Natural” existe uma forte característica humanista idealizada em cliques que expõem o elogio à natureza e à vida, como reafirma Ismail Xavier:

“Quando a aparência assume um valor em si mesma, a arte sacrifica a sua dimensão estética (a expressão de realidades espirituais) e se psicologiza, curvando-se ao desejo de duplicação, à imitação que quer salvar o ser pela aparência, a exorcizar o tempo, como no antigo Egito o embalsamento era a condição da eternidade” (XAVIER, Ismail, 1991: p.13)

Não obstante, devemos considerar que mesmo que o fotógrafo tenha um olho privilegiadamente sensível, a natureza capturada pela lente é distinta da que é captada pelo olhar, por seu caráter inconsciente. Aí reside a originalidade da fotografia em comparação com as artes plásticas, pela objetividade do olho que é substituído pela lente, pelo olhar objetivo, mas que não permite interferência entre o olhar e o objeto ou a natureza. A fotografia, e somente ela nos permite transpor do inconsciente:

“A imagem pode ser nebulosa, descolorida, sem valor documental {...} Essas sombras cinzentas ou sépias, fantasmagóricas, quase ilegíveis, já deixaram de ser tradicionais retratos de família para se tornarem inquietante presença de vidas paralisadas em suas durações, libertas de seus destinos, não pelo sortilégio da arte, mas em virtude de uma mecânica impassível; pois a fotografia não cria, como a arte, eternidade, ela embalsama o tempo, simplesmente o subtrai à sua própria corrupção”. (Bazin, 1991: p.24)

Nos célebres ensaios de Bazin podemos perceber de forma clara que entre um objeto e sua representação nada mais se interpõe, a não ser outro objeto e que o olho humano passa a ser substituído por um conjunto de lentes ‘objetivas’ e torna a fotografia um tipo distinto de reprodução, já que possui natureza igual a do objeto. E ainda, que essa natureza não imita simplesmente a arte, mas o próprio fotógrafo, pois, “a fotografia não cria, como a arte, a eternidade, ela embalsama o tempo, simplesmente o subtrai à sua própria corrupção” (BAZIN, 1991: p.24) e privilegia a psicologia das relações entre imagem e espectador, na medida em que a proximidade dele com a realidade tende a ser maior e antes foi capturada com traços de personalidade do artista. Em Pequena história da fotografia (3) se trata das possibilidades da fotografia como algo que nos revela ou provoca outros modos de abstração da realidade, atentos para o fato de que há certos aspectos que não podem ser suprimidos do olhar sobre uma determinada fotografia porque independem da intenção do fotógrafo.

Fotografias tão carregadas de significado em “Ambiente Natural” mereciam legendas para que o espectador pudesse conhecer a “leitura” que os artistas fazem de suas imagens - um ponto imprescindível no texto benjaminiano – e com isso evitem uma idéia vaga, desatenta e imatura entre os artistas e suas obras, algo que não condiz com a qualidade do acervo. Não há como deixar de mencionar também a ausência de um material fotográfico mais detalhado sobre a própria exposição, o que seria uma forma de documentar a instalação, o olhar sobre as fotografias, a arte em si, como foi feito com o registro do fazer artístico de Adriana dos Santos, sobre o qual precisaríamos de outro texto de caráter ensaístico.

O fenômeno aurático (4) que Ulisses e Diogo imprimem às fotografias revela detalhes que a solidão das imagens leva a expandir uma consciência para as diversas possibilidades da linguagem. Esse é um aspecto importante para a teoria realista, por exemplo, em que se tratam as figuras poéticas da elipse e da metonímia enquanto categorias universais, como instrumentos utilizados para capturar a natureza e reproduzi-la por meio de um processo fotoquímico, nos colocando diante de aspectos que, reitero, não enxergávamos ou que não queríamos enxergar.

“Ambiente Natural” reúne materiais e conceitos distintos, alguns recursos tecnológicos, que para alguns críticos são vistos com ressalvas, mas que tem um fim tradicional na fotografia: a de que a natureza possa ser capturada pelo celulóide para então se tornar memória. Os desenhos registrados pela câmera e que registram o real estão ligados a realidade que retratam porque tiram dela uma impressão, mas o olhar da câmera registra imagens que não são tão óbvias ao olho nu ou que ficam ocultas, o que torna definitiva a relação entre o fotógrafo e a técnica que aplica, como ocorre na relação de outros artistas com seus instrumentos e com sua arte, seja na música, na literatura, no cinema ou nas artes plásticas, aplicando sobre sua obra uma subjetividade, uma personalidade, atentos para a premissa de que “a natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente” (BENJAMIN, p.94). Esses ímpetos psicológicos envolvem a reprodução de um objeto real e reafirmam o fato de que, aceitamos a reprodução e a representação do objeto como realidade, porque “a fotografia goza de determinada vantagem em virtude dessa transferência da realidade da coisa para sua reprodução”. (BAZIN apud ANDREW, p. 116)”.

1.BAZIN, André. Ontologia da Imagem Fotográfica. In: Qu’ est-ce que Le cinema? Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

2.Em Pequena história da Fotografia, Walter Benjamin cria essa metáfora sobre a fotografia, estabelecendo as diferenças entre técnica e magia, e teorizando sobre a experiência estética proporcionada pelo fazer fotográfico.

3.BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. In Obras Escolhidas. São Paulo. Brasiliense, 1994.

4.A aura na definição de Benjamin é “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja”, autentica, única e original.



BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ANDREW, J. Dudley. Andre Bazin. In: As principais teorias do cinema. Trad. Tereza Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
BAZIN, Andre. Ontologia da Imagem Fotográfica. In: Qu’ est-ce que Le cinema? Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
BENJAMIN, Walter. Pequena historia da fotografia in: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 94.





obs. segue o link para quem quiser visitar a Galeria de Ulisses Parente http://www.flickr.com/photos/ulissesparente

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

That's How People Grow Up - Morrissey




HA PESSOAS INTERESSANTES E PESSOAS MUITO INTERESSANTES.
NÃO NECESSARIAMENTE ESSAS PESSOAS TÊM ALGO EM COMUM,
A NÃO SER PELO FATO DE QUE SÃO INTERESSANTES.
ESSA TAUTOLOGIA SERVE PARA REAFIRMAR O SIMPLES FATO
DE QUE O INTERESSE NÃO E INDISSOCIAVEL DAS DIFERENCAS,
UM EXERCICIO MUITO INTELIGENTE E SALUTAR
PARA QUE AS EXPERIENCIAS SE TRANSFORMEM EM FRUTO MADURO
CHEIO DE SUMO, ACUCAR E CARNE.

DIAS VELOZES NOS TRANSPORTAM DE ERA EM ERA,
COMO VAMPIROS BRANCOS ATRAVESSANDO GERACOES.
IDAS E VINDAS ENSINAM CAMINHOS,
OS CAMINHOS NOS LEVAM A PESSOAS SABIAS,
A SABEDORIA NOS DA PACIENCIA, E A PACIENCIA
PRESENTEIA-NOS COM PEQUENAS VITORIAS
QUE MELHOR SABOR APURAM DO NECTAR DESSE FRUTO,
CHEIO DE PERFUME, COR E MISTERIO.

INAUGURO METRICAS E MENSURO PALAVRAS EM PESSOAS
INTERESSANTES E MUITO INTERESSANTES.
INTERPRETO SUAS SEMANTICAS, SEUS MOVIMENTOS,
DESCUBRO VERDADES DISFARCADAS,
REVELO SEGREDOS ESCRITOS SOB A PELE.
ACEITO E LANCO DESAFIOS,
PREVEJO O FUTURO EM SEUS MINIMOS MOMENTOS,
CHEIO DE FLUXO, SANGUE E PRAZER.

domingo, 14 de junho de 2009

Qual é a sua rede? Uma pesquisa etnográfica.


A rede de dormir é um tipo de leito indissociável da vida de um paraense. Ao escolher uma casa ou apartamento para morar, analisamos imediatamente o local mais apropriado, aconchegante, sombreado, para colocá-la e fazemos até a medição “na cabeça” do tamanho da rede que vai caber naquele espaço, pensamos na escápula mais forte e na inclinação, pra que as pessoas possam passar por ela sem bater. É muito desagradável quando alguém esbarra na sua rede. Aquele será um espaço quase sagrado, destinado a diversos fins como leitura, repouso, momento de reflexão, alívio do calor, sexo vespertino e também noturno e muitas outras atividades que nossos ancestrais indígenas nos deixaram como herança. Não é todo mundo que sabe dormir de rede, não! Quem não souber, acorda de torcicolo ou com a espinha torta.

Cada um tem com sua rede uma relação muito parecida da criança com aquele ursinho de pelúcia fedorento, ou aquele paninho q fica preso na chupeta, encardido e desfiado, mas que se for esquecido, perturba o sono de toda uma família. O modo como se tratam os punhos da rede é motivo de desavenças e mau-humor, mexer no punho é algo semelhante a usar emprestada uma peça íntima sem pedir licença, ou seja, ainda que você peça, será algo desagradável. Ninguém gosta de emprestar rede. Ela guarda os cheiros, os segredos, a energia. Se eu te convido para deitar na minha rede é porque você é alguém considerado especial.

O uso da rede para dormir é bastante antigo, é um costume herdado dos indígenas brasileiros. Eles chamavam a rede de ini. Foi em 27 de abril de 1500 que Pero Vaz de Caminha chamou pela primeira vez de rede de dormir. No livro Casa Grande e Senzala, Gilberto Freire relata muitas historias com melancolia quando “pequenos adormeciam ouvindo o ranger tristonho dos punhos da rede”.

Passei o maior sufoco quando meu caçula nasceu. Ele só dormia em rede. Acontece que eu morei num apartamento em que a escápula rangia, sabe aquele trrrrr, trrrrr... não havia óleo que desse um fim naquele ronco. Abaixo de nós havia um professor de francês muito mau-humorado que costumava trocar o dia pela noite. Eu embalava o pequeno por volta do meio dia para tirar uma sesta e também à noite, e num certo domingo, o professor recalcado me ameaçou de morte. Fomos parar na delegacia por causa da rede. Numa viagem que fiz com meu pequeno, não havia rede no hotel, no que ele, ainda sem saber falar, se encostou junto à parede, colocou o dedo na boca feito chupeta e se embalou, mostrando para mim do que estava precisando. Inventei um tipo de embalo manual, que contribuiu para esses problemas de artrose que tenho hoje.

Quando criança eu inventava dezenas de brincadeiras na rede, umas fantásticas em que trançava as pernas nas varandas, como aquela brincadeira que fazemos com fios nas mãos, trançando em dezenas de formas geométricas e subitamente, desalinhando-as, como se fosse um tipo de mágica. Outra muito gostosa era ficar se enrolando na rede e rodando, nos embrulhando como um bombom ou uma múmia. Outras eram ingenuamente sexuais, como torcer a rede e esfregar-se nela como se estivéssemos montando a cavalo, mas é claro que o movimento era instintivamente delicioso. E tinha o campeonato de embalar, para ver quem se embala com mais força e vai mais alto. Algumas vezes a queda era inevitável, noutras, eu me exibia de ter um talento de ginasta para saltar do alto no chão, e cair em pé, vejam só que perícia! Já caiu de rede? É uma porrada seca na bacia. Bem, pelo menos ela bate primeiro, depois que vem a cabeça, mas quando se está num sono suspenso, é como acordar de um sonho em que se estava voando. Cair quando há superlotação é mais legal, a gente vai sentando de um a um, até ver quantos cabem, e de repente, o punho rasga ou a escápula quebra. É muito engraçado, dá crise de riso e às vezes a gente até molhava as calças. Depois a gente vai crescendo e aprendendo outras formas criativas de usar a danada.

Quando a gente ía pro interior a primeira coisa que eu fazia era escolher o lugar da minha rede, aí eu enfiava dentro dela o meu lençol, a minha escova de dente, minha toalha e uma calcinha. Enrolava com a técnica que conhecemos muito bem e prendia dentro do punho. Pronto, ninguém podia me tirar dali. Todos respeitavam.

Hoje eu olho pra todo lado e não vejo rede, quando ela aparece é quase a visão de uma obra de arte. Quando eu vejo uma varanda ventilada, um parque bonito, um lugar na serra com duas frondosas árvores e aquela distancia estratégica, penso logo: Ah, uma rede ali!