quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Simplifica, Heidegger!
Outro dia, amigo meu perguntou se eu havia conseguido ler Heidegger e por que o filósofo escrevia tanto para explicar coisas que ele acredita ser possível compreender com duas expressões. Segundo ele, “nos dias de hoje, deveriam existir uns resumos, já que ninguém se predispõe mais a ler esses livros de filosofia, pelo menos os que nada têm de interesse acadêmico e, especialmente na área de Humanas”. Ele falou isso para me provocar, adora me provocar. Sente um prazer imensurável nisso. E eu adoro ser provocada por ele, tal qual Sócrates nos Diálogos de Platão. Ah! O dionisíaco Alcebíades e suas provocações! "Esse negócio de ser-aí, ente... Não entendi nada!” – completou.
Então, a pretexto de um tema fenomenológico, já que a fenomenologia pretende fazer ver a partir de si mesmo, as coisas em si mesmas, aquilo que se mostra, passei meia semana pensando no meu estar-no-mundo (in-der-Welt-sein) e a teoria Heideggeriana me tirou o sono.
Tive que concordar que a obra Ser e Tempo (Sein und Zeit), com todo respeito à autenticidade e importância do tema, é um pé no saco. O cara é um gênio, mas quando escreve, não tem estilo. No entanto, ler Heidegger em outro idioma torna ainda mais difícil a abstração sem dominar o jogo semântico que ele opera com a língua Alemã. E o alemão de Heidegger, vamos combinar, é rico em variantes, modificações, emprega freqüentemente a palavra alemã, de origem alemã, mas também vale-se da palavra de origem latina, com um sentido diferente – chama-se a isso de dupla clave – Então, sem qualquer pretensão de incorrer em arrogância acadêmica, mesmo porque eu sou apenas uma ignorante curiosa, convido-os a uma elucubração de algumas questões sobre o Ser, que figuraram como tema em nossa conversa, minha e de meu amigo, no trajeto de volta para casa, à sombra da tese Heideggeriana.
Em Ser e Tempo, existir é interpretar-se, e interpretar-se constitui-se num movimento constante de questionar-se, e isso só se torna possível por que somos (Dasein), os outros entes que habitam este mundo, os seres circundantes, chamados por Heidegger de seres intramundanos. O Dasein é aquele que, dada a sua natureza, tem a possibilidade de questionar. Difícil entender isso? Sempre foi e sempre será difícil explicar quem somos. Fácil dizer o que somos ou em que nos transformamos ao longo da vida. Para isso temos aí a Sociologia, a Psicanálise e outras ciências afins. Vale lembrar que lá na Grécia Antiga, já bem alcoolizado, Alcebíades não soube responder a Sócrates (em I, 129c) quando perguntado sobre o que é o ser humano - um questionamento inaugurado no pensamento grego e decisivo para o mundo ocidental. E nós, pretensiosos que somos quando já estamos no quarto copo, acreditamos que descobrimos o sentido da vida.
Voltando ao meu martírio existencialista, Dasein é um verbo que significa existir e naturalmente é também o substantivo "existência", em muitos momentos uma tautologia, o que é uma fórmula filosófica muito comum, a de dizer a mesma coisa de muitas formas, repetindo os conceitos. Acho que eles faziam isso já prevendo que não iríamos abstrair com tanta facilidade. _“Nao entenderam não é seus idiotas, então vou explicar de novo, de uma forma mais óbvia”, Heidegger debruçado sobre a mesa.
Tomo a liberdade novamente de dialogar com o pensamento Platônico e responder ao meu amigo que, Educar é, digamos assim, a função da Filosofia. A educação é a direção para a saída da caverna, Alcebíades! E não há como comprar isso em cápsulas com seus respectivos resumos. Segundo Heidegger, o Dasein está regulado por uma compreensão/interpretação mediana que se explica assim: As coisas são como são porque delas se fala através de repetição, mero falatório, daí a compreensão mediana nunca conseguir distinguir o original, o autêntico, da mera repetição. O ser torna-se o meio para que se possa chegar ao ente e este sendo sua condição de possibilidade, é no ente que o ser se desvela.
Duvido que você me considere humana, porque sempre me trata como se eu fosse demasiadamente mulher - Nietzsche que me perdoe o trocadilho – ou então você não me colocaria diante dessas questões. Voce volta para correr seus 10 quilômetros no calcadão enquanto eu fico aqui, refém das minhas filosofices. Seria muito mais fácil me propor escolher o restaurante ou me pedir para te corrigir na letra daquele samba, na noite anterior... "No tempo que Dondon jogava no Andaraí, nossa vida era mais simples de viver". Mas não, você continuou me torturando. Você falou sobre o egoísmo do homem pós-moderno, sobre a questão da individualidade. Coincidência, eu estava lendo em Adorno que os seres individuais se separam da sociedade e se contrapõem a ela. É uma tendência muito apreciada desde a modernidade. Destarte, um trecho da explicação de Adorno para a teoria de necessidade vital (Lebensnot) de Freud, o sociólogo: “{...} o homem individual de que a psicanálise se ocupa é uma abstração diante daquele nexo social em que os indivíduos individualizados se encontram.” De minha parte, creio ser difícil compreender o outro sem padecer dessas crises existenciais. É claro, também sem Literatura, sem Filosofia e sobretudo, sem a Poesia. Essa tríade engendra uma Paidéia, a nossa formação (Bildung), o nosso repertório intelectual. É, meu amigo! Dá trabalho ocupar-se de si mesmo. Conhecer a si mesmo é doloroso porque nos confrontamos com o desconhecido, veja que ironia! Quem quiser continuar na caverna pode fazer o seguinte. Grite com todas as suas forças. “Ignorantes de todo o mundo, uni-vos para suplicar: Simplifica, Heidegger!”
ps. A tela é "Sócrates afastando Alcebíades do vício" de Pedro Américo (1865) e está no Museu D. Joao VI da UFRJ-RJ
Bibliografia citada:
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 12 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
ADORNO, THEODOR W. Introdução à Sociologia. Tradução Wolfgang Leo Maar São Paulo. Unesp, 2008.
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simplifica michele!
ResponderExcluirEu lembrei da Lispector,quando li, era a frase que estava na porta do meu quarto da minha casa antiga:
ResponderExcluir"O nome é um acréscimo e impede o contato com a coisa. O nome da coisa é um intervalo para a coisa. A vontade do acréscimo é grande pq a coisa nua é tão tediosa."
Vamos vivendo desses acréscimos, com medo da verdadeira coisa...
te amo!
Olá! De onde você conhece meu blog?
ResponderExcluirBem, obrigada pelo comentário! No wordpress não há parte para se colocar o perfil. Mas, podemos nos conhecer através daqui, certo?
Beijos!
PS.: Sociologia é perfeito. Faço Ciências Sociais.
Seu texto, cheio de humor pra falar de um filósofo tão cabeçudo não poderia ser mais didático! Ainda não li seu amigo Heidegger, mas sentei na janela da caverna lendo seu resumão.
ResponderExcluirbeijão pra você...
"Conhecer a si mesmo é doloroso porque nos confrontamos com o desconhecido, veja que ironia!"
ResponderExcluirperfeito.
é Michelly, nóis sofre, mas nóis goza também!!!
ResponderExcluiradorei o texto. Heidergger complica, Nietzsche simplifica até demais, tornando a praxis difícil. Mas claro que é melhor não admitir isso. rsrsrsrsrs
Bjos.
Estamos diante de um pacto pela média. Resumnão de c. é r...
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