sexta-feira, 6 de março de 2009
EDUCAR É POSSÍVEL?
AO CONCLUIR MEU CURSO DE LETRAS E, NATURALMENTE, APÓS VIVENCIAR OS ESTÁGIOS EXIGIDOS PARA GRADUAÇÃO, FIQUEI EM UM PRIMEIRO MOMENTO FRUSTRADA. EM SEGUIDA, DESMOTIVADA, AO PERCEBER QUE A FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO, BEM COMO O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO, CONSTITUIAM-SE EM UMA UTOPIA, E VIRIAM A SER PARA MIM UMA ETERNA IMPOSSIBILIDADE. NÃO HAVIA SEQUER UMA ÚNICA ESCOLA QUE ATUASSE COMO EU ACREDITAVA QUE DEVERIA ATUAR. MAS ISSO EU JÁ HAVIA PERCEBIDO NA PRÓPRIA ACADEMIA. CHEGUEI A ACHAR QUE EU É QUE ESTAVA DESLOCADA DAQUELE UNIVERSO PSEUDO-PAULOFREIRIANO QUE ALGUNS ACREDITAVAM PIAMENTE SER A EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA. E ALÉM DISSO, A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO É UMA QUESTÃO PRÉ-SOCRÁTICA.
MEU FILHO CAÇULA NASCEU NESSE ESPAÇO DE TEMPO ENTRE O QUASE AFASTAMENTO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA E A CONCLUSÃO DO CURSO DE LETRAS, QUE SE TORNOU UM IDEAL ROMÂNTICO DE VIDA POR ALGUNS MESES. FOI ENTÃO QUE VEIO A IDADE PRÉ-ESCOLAR DELE E SIMULTANEAMENTE, O MEU DESESPERO DIANTE DE TANTAS INCOERENCIAS, ERROS, ABSURDOS DOS QUAIS NEM EU, NEM ELE PODIAMOS NOS DISTANCIAR. EU HAVIA SIDO AQUELA ADOLESCENTE QUE LIA UM OU MAIS LIVROS POR SEMANA, QUE COM ARROGANTE DESPREZO CONTESTAVA A TABELA DE MÉTODOS GRAMATICAIS ENQUANTO LIA, NO FUNDO DA SALA, EZRA POUND E SEU ABC OF READING.
ENTÃO, ALFABETIZEI MEU CAÇULA AOS QUATRO ANOS, NUM GESTO DE INGÊNUA ANSIEDADE HERÓICA, E LIA PARA ELE, COMPULSIVAMENTE, ALÉM DE INCENTIVÁ-LO A LER, AINDA QUE ELE NÃO ENTENDESSE MUITO BEM O CONTEÚDO, APENAS PARA QUE SE TORNASSE HÁBITO.
NA VERDADE FOI A PARTIR DISSO QUE MEU INTERESSE EM LITERATURA E LÍNGUAS FOI SE APROFUNDANDO E GANHANDO CONTORNOS MAIS AMPLOS E, PARA ALÉM DA LINGUÍSTICA MERGULHEI EM ÁGUAS MUITO MAIS PROFUNDAS, AS DA FILOSOFIA, PSICANÁLISE, ANTROPOLOGIA E DA SOCIOLOGIA, AO MESMO TEMPO EM QUE, COMO UMA MELANIE KLEIN ÀS AVESSAS, FUI EXPERIMENTANDO AS NEUROSES INFANTIS, OS RECALQUES (MEUS E DELE), OS PROBLEMAS EDIPIANOS (A CASTRAÇÃO, OS DESAFIOS DA MATERNIDADE). EDUCAR O FILHO SERIA UM DESAFIO QUE PODERIA ME LIBERTAR OU ME CONVENCER DO QUANTO SOMOS INCAPAZES, PORQUE NÃO DOMINAMOS ALGO QUE É MUITO MAIS PODEROSO: O NOSSO INCONSCIENTE.
A CADA REMEXIDA NA MOCHILA DA ESCOLA, UM CHOQUE! EU NÃO SEI DIZER QUEM É MAIS VÍTIMA, SE O PROFESSOR OU O ALUNO. COMO É POSSÍVEL UM PROFESSOR ORGANIZAR UM CONTEÚDO DE UMA LINGUA COMPLEXA COMO A NOSSA PARA TRANSMITIR ÀQUELES PEQUENOS SERES DE 8 ANOS, COMO SE ELES FOSSEM SE TORNAR ESPECIALISTAS EM GRAMÁTICA? QUEM SOFRERÁ MAIS?
A INEFICIÊNCIA DO ENSINO ATUAL DA GRAMÁTICA É VISÍVEL. DAÍ AS ESCOLAS NAO CONSEGUIREM FORMAR LEITORES E ESCRITORES, E CONTINUAMOS ANALFABETOS ATÉ A UNIVERSIDADE. É PRECISO PRIORIZAR O INCENTIVO À LEITURA, À LITERATURA, PARA PROPORCIONAR O DOMÍNIO DA LINGUAGEM E SOMENTE DEPOIS DISSO, PARTIR PARA O CONHECIMENTO DA METALINGUAGEM. É NO MÍNIMO UM ESFORÇO HERCÚLEO ENSINAR ÀS CRIANÇAS O QUE POUCOS DE NÓS CONSEGUIMOS DURANTE TODA UMA VIDA APRENDER.
COMO DEMONSTROU FREUD, A CRIANÇA PODE TER CONHECIMENTO DE ALGO, MAS, NÃO TEM SABER, E NÃO SABE O QUE FAZER (SAVOIR-FAIRE) COM ESSE CONHECIMENTO. LACAN, O PSICANALISTA QUE DESENVOLVEU UM SÉRIO TRABALHO COM A LINGUAGEM, PAUTOU-SE EM FREUD PARA SUSTENTAR A TESE DE QUE EDUCAR É UMA TAREFA IMPOSSÍVEL, JÁ QUE LIDAMOS COM ALGO QUE SEMPRE NOS ESCAPA, NOVAMENTE, O INCONSCIENTE. SABER NÃO É, PORTANTO, CONHECIMENTO. SEI QUE OS LEITORES DESAVISADOS PODEM TER DIFICULDADE EM COMPREENDER, POIS, É PRECISO SER UM LEITOR MINIMAMENTE HABITUADO COM TEORIAS DA PSICANÁLISE PARA COMPREENDER COMO ISSO SE PROCESSA. MAS SE VOCE FOR PAI E MÃE, DEPOIS DE INVESTIR ANOS NA EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS, MAIS CEDO OU MAIS TARDE VAI COMPARTILHAR DESSAS TESES TODAS.
O QUE FREUD DIZ É QUE O EDUCADOR NUNCA EDUCA DA MANEIRA COMO GOSTARIA PORQUE SE DEPARA COM O INCONSCIENTE, O QUE POR SUA VEZ, IMPOSSIBILITA ESSE CONTROLE, JÁ QUE O INCONSCIENTE ESTRUTURA-SE COMO UMA LINGUAGEM E A LINGUAGEM É INVARIAVELMENTE AFETADA PELOS EQUÍVOCOS. EM LACAN, TENDO COMO MARCA A INOVAÇÃO E O RETORNO ÀS TEORIAS FREUDIANAS, A EDUCAÇÃO PRECISA SER DIALÉTICA, DINÂMICA E NÃO PODE SE SUBMETER A CIRCUITOS FECHADOS, O QUE NÃO ACONTECE NO SISTEMA DE ENSINO BRASILEIRO. ELE ACREDITA QUE SOMENTE EXISTE ENSINO E APRENDIZAGEM SE O EDUCADOR CONSEGUE TOCAR NO EDUCANDO, OU SEJA, QUANDO CONSEGUE DESENCADEAR ALGO NESSE INDIVÍDUO. O CONTEÚDO QUE SE ENSINA, PARA ELE, NÃO PODE SER ALGO PRONTO E O MÉTODO DE APRENDIZAGEM NÃO PODE VIR A SER SIMPLESMENTE RECEPTIVO. PRECISA PROVOCAR A INVESTIGAÇÃO. VEJAM! ISSO SE REFLETE NAS UNIVERSIDADES ONDE HÁ CADA VEZ MENOS INTERESSE EM PESQUISA CIENTÍFICA. QUEM ENSINA NÃO PODE SER CONSIDERADO O DETENTOR ABSOLUTO DA VERDADE E QUEM APRENDE DEVE DESENVOLVER O QUE RECEBEU DE ACORDO COM SEUS INTERESSES.
O PONTO MAIS INTERESSANTE, A MEU VER, NA OBRA DE LACAN É QUANDO ELE CONSIDERA O SUJEITO UM SER DIVIDIDO ENTRE DOIS SIGNIFICANTES, ENTRE DUAS PALAVRAS, ENTRE DOIS CONTEÚDOS. O SUJEITO ESTÁ EM ETERNO PROCESSO DO VIR-A-SER, SEMPRE SE TRANSFORMANDO E ISSO O LEVA A PESQUISAR TAMBÉM A RELAÇÃO COM O OUTRO, DAÍ O INTERESSE DELE EM LINGUÍSTICA E ANTROPOLOGIA. LACAN FEZ UMA LEITURA DE “A LINGUAGEM E O PENSAMENTO NA CRIANÇA” (1923), DO EPISTEMÓLOGO SUÍÇO JEAN PIAGET (UM ESTUDO NOTÁVEL SOBRE COMO SE DÁ A COMPREENSÃO NA CRIANÇA E QUE, EM SUA TESE, A FUNÇÃO DA LINGUAGEM É ESSENCIALMENTE COMUNICACIONAL) E CRITICOU O QUE ELE CONSIDERA UM ERRO DA TEORIA PIAGETIANA SOBRE O EMPREGO DA FUNÇÃO DA FALA INFANTIL “em acreditar que a fala tem como efeito, essencialmente comunicar; quando o efeito do significante é fazer surgir no sujeito a dimensão do significado”. ESSA SOCIALIZAÇÃO DA LINGUAGEM NÃO SE DÁ EXCLUSIVAMENTE ENTRE OS SUJEITOS, MAS SIM, NUM PONTO CRUCIAL ENTRE A LINGUAGEM EGOCENTRICA (MONÓLOGO) E A SOCIALIZADA, POIS, O IMPULSO EM REALIZAR A COMUNICAÇÃO É PASSÍVEL DE FALHAS. PARA EXPLICAR ESSE FENÔMENO, PIAGET EXPLICA QUE “não é propriamente lingüístico, nem lógico; é um problema de psicologia funcional” e acrescenta que a linguagem serve, tanto para crianças como para adultos, para comunicar o pensamento, ordens, desejos, críticas, ameaças, sentimentos e ainda, provocar atos. LACAN QUESTIONA OUTRA AFIRMAÇÃO DE PIAGET, A DE QUE “o monólogo infantil é uma preparação para a linguagem socializada e que, porém, por meio dessa atividade, a função se desvia e o prazer proporcionado pela fala consigo mesmo o distrai da necessidade de se comunicar aos outros (Piaget, 1999, 2). PIAGET MOSTRA QUE TEM CONSCIÊNCIA DE QUE A LINGUAGEM NÃO É APENAS INFORMAÇÃO SOCIALIZADA QUANDO AFIRMA QUE “Se a função da Linguagem fosse unicamente comunicar, serial difícil explicar o fenômeno do verbalismo. Como se explica que as palavras, restritas pelo uso de significados precisos, pois que destinados a serem compreendidos, cheguem a disfarçar o pensamento, a criar a obscuridade por meio da multiplicação das entidades verbais, e até mesmo a impedir que o pensamento se torne comunicável?” (Piaget, 1999, 2)
MAS PORQUE ESSE TEXTO COMEÇOU COM O TEMA DA EDUCAÇÃO E JÁ PERCORREU QUESTÕES SOBRE LINGUAGEM E PSICANÁLISE? É PORQUE ESSES TEMAS SÃO INDISSOCIÁVEIS, ESPECIALMENTE NO QUE DIZ RESPEITO À TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO. A PSICANÁLISE LIDA COM QUESTÕES, ENQUANTO A EDUCAÇÃO BUSCA RESPOSTAS. A PSICANÁLISE ABRE-SE PARA NOVOS CONTEÚDOS, JÁ A EDUCAÇÃO PROCURA FECHÁ-LOS COMO SABERES ESPECÍFICOS, LINEARES E OBJETIVOS.
ANDO MESMO ANGUSTIADA PELA DESCRENÇA EM UMA ESCOLA IDEAL. EDUCAR É UM ÁRDUO TRABALHO. É PRECISO SE COMPROMETER, QUESTIONAR, INVESTIGAR, TRABALHAR JUNTO, REAPRENDER TUDO. CRIAR FILHOS É O MAIOR DE TODOS OS DESAFIOS.
QUANTO AO QUESTIONAMENTO DO TEMA DESTE POST, HÁ MAIS DE DOIS MIL ANOS HERÁCLITO JÁ AFIRMARA QUE DEVIDO À VELOCIDADE COM QUE TUDO SE TRANSFORMA, A INSTABILIDADE, O FLUIR CONTÍNUO, O CONHECIMENTO É IMPOSSÍVEL, MAS QUE O HOMEM É AO MENOS CAPAZ DE COMPREENDER ESSAS TRANSFORMAÇÕES.
TALVEZ EU TENHA QUE ESPERAR UM BOM TEMPO E, LITERALMENTE, PAGAR PARA VER.
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Por falar em educar como vai o felino Yago? Dá um abração nele por mim. Beijo, petit
ResponderExcluirOs tigres da ira são mais sábios que os cavalos da educação.
ResponderExcluirJá dizia Willian Blake em seus Provérbios do Inferno.