quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Pedra, papel, tesoura!


Tão prazeroso é ser descoberto por algumas dessas pessoas especialmente interessantes e redescobri-las noutras épocas, evoluindo em seus objetivos, tornando-se cada vez mais belas e marcantes. Algumas amizades guardam pedras de toque tão importantes que eternizam lembranças e nos mantém ligados, ainda que nos afastemos. Deixam cicatrizes de herói, daquelas que nos orgulhamos de mostrar para contar os feitos e que nos tornam intocáveis. Haviam-se aventurado em terras distantes e agora estavam ali, reunidas, redescobrindo-se.

Aninha e suas paixões, suas fomes, suas manhas de menina doce. Antropodialogando conosco. Antonella em sua entusiasmada e frenética narrativa sobre o filme quando a interrompemos na tentativa de manter a imprevisibilidade de nossas próprias emoções, já que não o tínhamos assistido. Rapidamente, incursionei em uma viagem, retrocedendo em minha própria biografia. Como em “A Rosa Púrpura do Cairo”, transportei-me para a tela e fui coadjuvando no roteiro daqueles 5 minutos do filme narrado. Havia certa semelhança entre a história da personagem e parte da minha. O Benjamin do filme que eu sequer havia visto, foi resignificando processos que eu antes não compreendia nessa trajetória em que a velhice pode acometer alguém antes mesmo da infância. Ao passo que alguns idosos passam pelo processo inverso, como meu avô em seus últimos anos, voltando a ser um bebê. Estou nesse meio tempo, em que descobertas de sentimentos quase são capazes de preencher lacunas aparentemente dispensáveis no enredo de uma vida.

E lá estavam elas, as personagens dessas memórias. Ali, por alguns momentos, uma felicidade sobrevoava nossos ossos, nos mantendo eretas, rijas e fortalecidas naquele reencontro, uma felicidade simples, sobretudo quando podemos compartilhá-la sem barganha alguma. Experiências como essas operam milagres quando se tem a arrogância de acreditar que já viveu muito, que talvez já tenhamos encontrado pedras demais pelo caminho e que há cada vez menos o que valha a pena.

Mas que pedras são essas? - o entrevistador pergunta ao poeta – “A pedra é apenas uma pedra”, o poeta responde, frustrando a certeza do entrevistador em conseguir exata explicação. A resposta do poeta mudou o brilho dos olhos de Layse. Naquele instante, a nossa cumplicidade era como uma dessas ‘pedras de toque’, que tudo podiam transformar em ouro, como diz uma lenda. O poema da nossa amizade- disse eu – não é feito uma receita de remédio, previsível, exata. Os efeitos colaterais lá todos descritos e a posologia determinada para que o leitor siga à risca na certeza de uma cura, uma resposta. O poema da nossa amizade é intenso, denso, trabalhoso, e é inato, único, uníssono. Apagam-se os excessos. Procura-se pela palavra-pedra e é preciso ter coragem para fazer com que sejam certas as escolhas. A pedra do poeta, para mim, é aquela com que uns controem paredes, muros, cavernas, mas que outros levantam castelos fortes e eternos. Tropeçar em pedras como essa, descobrir como e onde usá-las, guardá-las como diamantes, porque raras são as amizades, como raros são os verdadeiros poemas. A pedra é como a palavra. Uma a uma, compondo o texto, alicerçando os sentimentos, cimentando os relacionamentos.

ps. A tela é de Picasso "Le Demoiselles"

5 comentários:

  1. Benjamim foi um filme que me emocionou como poucos
    Ele me fez pensar na vida de como deixamos simplesmtente apenas vivenciar um momento e como sempre neurotizamos sobre o futuro

    ResponderExcluir
  2. Oi Michelly adorei o blog, gostaria de acompanhar, mas não encontrei o link para seguir, enfim ...
    abraços
    Marcos

    ResponderExcluir
  3. Quero te ver no palco do festival de jazz de Rio das Ostras 2009. Por que não?
    beijo
    Petit

    ResponderExcluir
  4. Seu texto me fez lembrar de um poema do Antônio Moura:

    A espera

    À espera, de pé, na pedra,
    entre a esfera verde do mar

    e a estrela que a cada
    noite se aproxima, falas

    cada vez mais mudo,
    numa voz que escuta o fundo

    de outra voz que vem
    e diz-não-diz em eco,

    hein, idioma de algas,
    algo assim num som surdo:

    nada, vestido de corpo e carma,
    enquanto se dissolve o mundo.

    ResponderExcluir