sábado, 28 de março de 2009

O TARTUFO E O AMOR



Localizada no município de Maldonado, no litoral do Uruguay, Punta Del Leste foi para mim mais do que um destino. Foi onde pude conhecer uma das mais deliciosas raridades de todo o mundo. Em Punta Del Leste estão alguns dos melhores chef’s de cozinha do mundo, e eu como uma incorrigível gourmet, não pude deixar de experimentar as mais exóticas iguarias, um comportamento que me remete às apresentações dos pratos exóticos de minha terra natal aos amigos forasteiros. Numa dessas ocasiões, inteligentemente pedi ao garçom para chamar o chef, pois, o cardápio era para mim quase tão intraduzível quanto a Bíblia em Aramaico. Não pelo idioma, mas pelas criações e especiarias, estranhas a minha cultura gastronômica.
Um chef desses é quase como o gênio da lâmpada, aliás, é mais do que isso, porque ele tem a capacidade de satisfazer desejos que nós próprios desconhecemos e nesse caso, em particular, de superar as expectativas de qualquer mortal. Logo fui explicando que gostaria de ter ali um prazer raro, diante de um prato simples, mas, que tornasse aquela noite inesquecível, algo que substituísse o ideal de uma noite romântica, porque até aquele momento eu ainda não havia encontrado o verdadeiro amor. Com um sorriso italiano ele fechou os olhos por dois intermináveis segundos e sentenciou. “Você não pode deixar de viver a experiência única de comer o Tartufo, uma das mais raras (e caras) especialidades gastronômicas que existem na face da terra. Para acompanhar o risoto de Tartufo vou te trazer um vinho que parece ter sido elaborado especialmente para degustá-lo”. Bem, como tudo naquela viagem era uma cortesia, eu me senti privilegiada por estar tão próxima daquela extravagância cujo nome nos fazia lembrar de uma personagem de Molière. Agradeci e aguardei, cismando que não poderia se tratar de algo assim, digamos, tão surreal, afinal, o que se pode esperar de tão fascinante sobre um cogumelo?
Acontece que o perfume do Tartufo provoca reações que eu jamais conseguiria traduzir para a compreensão humana. O prato chega como chegam alguns orgasmos, inadvertidamente, fazendo perder os sentidos por alguns instantes. Algo parecido a uma sensação de plenitude, arrebatamento, sublimação. Muito próximo do que alcançamos quando estamos apaixonados. A combinação de gosto com o vinho que o acompanhava era como se dentro da alma fosse possível escutar uma multidão de aplausos sincronizados, ao término de uma grandiosa apresentação musical. Um momento único, como são únicos os momentos de prazer, mas, aquele não era um prazer vulgar, frugal. Aquela experiência era como redefinir os parâmetros das sensações, dar novo sentido ao ato de comer. Faz a vida valer a pena pelos poucos, mas, valiosos minutos em que se pode esquecer os problemas do mundo, dos nossos próprios e chegar próximo do Nirvana. A cada garfada, os olhos não conseguiam permanecer abertos. Seria um sacrilégio, um desrespeito. Não era possível perceber algo além do Tartufo naqueles preciosos momentos.
Inebriada e plena. Realizada e arrebatada. Foi assim que o chef reencontrou. Ele chegou com aquele ar vitorioso, mistura de cinismo e superioridade. Não se atreveu perguntar se eu havia apreciado. Eu estava devassada pelo Tartufo. Foi então que ele explicou. “É um tipo de cogumelo cujo tamanho varia de uma cereja a um abacate e que é encontrado num lugarejo da região de Piemonte, apesar de ser possível ele surgir na Toscana e em outros lugarejos da Itália. Ele se desenvolve em apenas um mês do ano e germina escondido a quase 50 centímetros abaixo do solo. O quilo do Tartufo pode chegar a 17 mil reais. Atualmente existem 18 mil caçadores na Itália, que não pagam impostos e lucram até 70 mil reais por temporada. Para caçar eles precisam adestrar um cão perdigueiro, o que demora até uns 5 anos e chega a custar 30 mil euros. A duração dele, ao ser colhido, é muito pequena. Transportá-lo, portanto, é tarefa muito difícil. Não existe uma forma segura de preservar suas propriedades já que é 70% constituído de água. Qualquer alteração climática e de conservação pode comprometê-lo e ninguém quer pagar esse preço tão alto. E para finalizar, não se pode cozê-lo, ele deve ser laminado ou raspado por cima do alimento na hora de servi-lo”.
Confesso que preferia não ter escutado toda essa história. Preferia tê-lo como um cogumelo selvagem que não faz questão de ser encontrado, que não quer viver por muito tempo e nem se permite ser modificado, transformado. A única coisa não inteligente de que tenho inveja pela sua perfeição, sua natural capacidade de defesa, seu alto poder de subjugação. O Tartufo é como o amor verdadeiro.

ps. Tela de Klimmt

Um comentário:

  1. Nossa, Michelly, que texto lindo! Não vou dizer que quase senti o gosto do negócio porque certamente é ainda mais que isso. Mas fiquei enebriado pelas palavras. Já virei habitué!!!
    Grande bjo.

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