sábado, 5 de setembro de 2009

UM ENSAIO SOBRE “AMBIENTE NATURAL”


Nas imagens da exposição dos paraenses Ulisses Parente e Diogo Vianna a cena aguarda o olhar, não o homem, luz e sombra se interpõem para preencher o cenário, observando detalhes invisíveis ao olho menos educado para a arte, em que a fotografia como arte torna visível o que não era tão óbvio ao olho nu, tal como definiu Paul Klee sobre a arte. Se antes era questão crucial compreender como um material pode significar e a que tipo de significado ele chega, nesses tempos pós-modernos não é diferente, pelo menos na obra desses jovens fotógrafos que se propuseram dialogar entre si e com outros modos de expressão artística em um mesmo espaço, reiterando que a obra não depende do que lhe é exterior e a fruição sobre ela pode ser desinteressada.

Entre as discussões de teóricos podemos recorrer ao realismo desenvolvido por Bazin (1), em que o caminho percorrido pela fotografia possibilitou a libertação das artes plásticas do compromisso com a verossimilhança e, revelou aspectos que antes não eram observados quer seja pela falta de sensibilidade do olho, quer seja pela resistência ao que não se queria ver. Essa discussão acerca da fotografia como arte, ou da arte como fotografia se aprofunda na medida em que ela revela o inconsciente ótico, da mesma forma como a psicanálise decifra o inconsciente pulsional (2).
O diálogo sui generis entre grafitagem e fotografia proposto pelos artistas é, no mínimo, uma ousadia que arrebanha, porque possibilita que ambas as formas de expressão compartilhem um espaço que antes não era comum e essa pode ser a resposta para a surpreendente visitação registrada durante o evento, em que o interesse do espectador oscila entre curiosidade e fruição. Em “Ambiente Natural” existe uma forte característica humanista idealizada em cliques que expõem o elogio à natureza e à vida, como reafirma Ismail Xavier:

“Quando a aparência assume um valor em si mesma, a arte sacrifica a sua dimensão estética (a expressão de realidades espirituais) e se psicologiza, curvando-se ao desejo de duplicação, à imitação que quer salvar o ser pela aparência, a exorcizar o tempo, como no antigo Egito o embalsamento era a condição da eternidade” (XAVIER, Ismail, 1991: p.13)

Não obstante, devemos considerar que mesmo que o fotógrafo tenha um olho privilegiadamente sensível, a natureza capturada pela lente é distinta da que é captada pelo olhar, por seu caráter inconsciente. Aí reside a originalidade da fotografia em comparação com as artes plásticas, pela objetividade do olho que é substituído pela lente, pelo olhar objetivo, mas que não permite interferência entre o olhar e o objeto ou a natureza. A fotografia, e somente ela nos permite transpor do inconsciente:

“A imagem pode ser nebulosa, descolorida, sem valor documental {...} Essas sombras cinzentas ou sépias, fantasmagóricas, quase ilegíveis, já deixaram de ser tradicionais retratos de família para se tornarem inquietante presença de vidas paralisadas em suas durações, libertas de seus destinos, não pelo sortilégio da arte, mas em virtude de uma mecânica impassível; pois a fotografia não cria, como a arte, eternidade, ela embalsama o tempo, simplesmente o subtrai à sua própria corrupção”. (Bazin, 1991: p.24)

Nos célebres ensaios de Bazin podemos perceber de forma clara que entre um objeto e sua representação nada mais se interpõe, a não ser outro objeto e que o olho humano passa a ser substituído por um conjunto de lentes ‘objetivas’ e torna a fotografia um tipo distinto de reprodução, já que possui natureza igual a do objeto. E ainda, que essa natureza não imita simplesmente a arte, mas o próprio fotógrafo, pois, “a fotografia não cria, como a arte, a eternidade, ela embalsama o tempo, simplesmente o subtrai à sua própria corrupção” (BAZIN, 1991: p.24) e privilegia a psicologia das relações entre imagem e espectador, na medida em que a proximidade dele com a realidade tende a ser maior e antes foi capturada com traços de personalidade do artista. Em Pequena história da fotografia (3) se trata das possibilidades da fotografia como algo que nos revela ou provoca outros modos de abstração da realidade, atentos para o fato de que há certos aspectos que não podem ser suprimidos do olhar sobre uma determinada fotografia porque independem da intenção do fotógrafo.

Fotografias tão carregadas de significado em “Ambiente Natural” mereciam legendas para que o espectador pudesse conhecer a “leitura” que os artistas fazem de suas imagens - um ponto imprescindível no texto benjaminiano – e com isso evitem uma idéia vaga, desatenta e imatura entre os artistas e suas obras, algo que não condiz com a qualidade do acervo. Não há como deixar de mencionar também a ausência de um material fotográfico mais detalhado sobre a própria exposição, o que seria uma forma de documentar a instalação, o olhar sobre as fotografias, a arte em si, como foi feito com o registro do fazer artístico de Adriana dos Santos, sobre o qual precisaríamos de outro texto de caráter ensaístico.

O fenômeno aurático (4) que Ulisses e Diogo imprimem às fotografias revela detalhes que a solidão das imagens leva a expandir uma consciência para as diversas possibilidades da linguagem. Esse é um aspecto importante para a teoria realista, por exemplo, em que se tratam as figuras poéticas da elipse e da metonímia enquanto categorias universais, como instrumentos utilizados para capturar a natureza e reproduzi-la por meio de um processo fotoquímico, nos colocando diante de aspectos que, reitero, não enxergávamos ou que não queríamos enxergar.

“Ambiente Natural” reúne materiais e conceitos distintos, alguns recursos tecnológicos, que para alguns críticos são vistos com ressalvas, mas que tem um fim tradicional na fotografia: a de que a natureza possa ser capturada pelo celulóide para então se tornar memória. Os desenhos registrados pela câmera e que registram o real estão ligados a realidade que retratam porque tiram dela uma impressão, mas o olhar da câmera registra imagens que não são tão óbvias ao olho nu ou que ficam ocultas, o que torna definitiva a relação entre o fotógrafo e a técnica que aplica, como ocorre na relação de outros artistas com seus instrumentos e com sua arte, seja na música, na literatura, no cinema ou nas artes plásticas, aplicando sobre sua obra uma subjetividade, uma personalidade, atentos para a premissa de que “a natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente” (BENJAMIN, p.94). Esses ímpetos psicológicos envolvem a reprodução de um objeto real e reafirmam o fato de que, aceitamos a reprodução e a representação do objeto como realidade, porque “a fotografia goza de determinada vantagem em virtude dessa transferência da realidade da coisa para sua reprodução”. (BAZIN apud ANDREW, p. 116)”.

1.BAZIN, André. Ontologia da Imagem Fotográfica. In: Qu’ est-ce que Le cinema? Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

2.Em Pequena história da Fotografia, Walter Benjamin cria essa metáfora sobre a fotografia, estabelecendo as diferenças entre técnica e magia, e teorizando sobre a experiência estética proporcionada pelo fazer fotográfico.

3.BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. In Obras Escolhidas. São Paulo. Brasiliense, 1994.

4.A aura na definição de Benjamin é “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja”, autentica, única e original.



BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ANDREW, J. Dudley. Andre Bazin. In: As principais teorias do cinema. Trad. Tereza Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
BAZIN, Andre. Ontologia da Imagem Fotográfica. In: Qu’ est-ce que Le cinema? Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
BENJAMIN, Walter. Pequena historia da fotografia in: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 94.





obs. segue o link para quem quiser visitar a Galeria de Ulisses Parente http://www.flickr.com/photos/ulissesparente

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