
Tão prazeroso é ser descoberto por algumas dessas pessoas especialmente interessantes e redescobri-las noutras épocas, evoluindo em seus objetivos, tornando-se cada vez mais belas e marcantes. Algumas amizades guardam pedras de toque tão importantes que eternizam lembranças e nos mantém ligados, ainda que nos afastemos. Deixam cicatrizes de herói, daquelas que nos orgulhamos de mostrar para contar os feitos e que nos tornam intocáveis. Haviam-se aventurado em terras distantes e agora estavam ali, reunidas, redescobrindo-se.
Aninha e suas paixões, suas fomes, suas manhas de menina doce. Antropodialogando conosco. Antonella em sua entusiasmada e frenética narrativa sobre o filme quando a interrompemos na tentativa de manter a imprevisibilidade de nossas próprias emoções, já que não o tínhamos assistido. Rapidamente, incursionei em uma viagem, retrocedendo em minha própria biografia. Como em “A Rosa Púrpura do Cairo”, transportei-me para a tela e fui coadjuvando no roteiro daqueles 5 minutos do filme narrado. Havia certa semelhança entre a história da personagem e parte da minha. O Benjamin do filme que eu sequer havia visto, foi resignificando processos que eu antes não compreendia nessa trajetória em que a velhice pode acometer alguém antes mesmo da infância. Ao passo que alguns idosos passam pelo processo inverso, como meu avô em seus últimos anos, voltando a ser um bebê. Estou nesse meio tempo, em que descobertas de sentimentos quase são capazes de preencher lacunas aparentemente dispensáveis no enredo de uma vida.
E lá estavam elas, as personagens dessas memórias. Ali, por alguns momentos, uma felicidade sobrevoava nossos ossos, nos mantendo eretas, rijas e fortalecidas naquele reencontro, uma felicidade simples, sobretudo quando podemos compartilhá-la sem barganha alguma. Experiências como essas operam milagres quando se tem a arrogância de acreditar que já viveu muito, que talvez já tenhamos encontrado pedras demais pelo caminho e que há cada vez menos o que valha a pena.
Mas que pedras são essas? - o entrevistador pergunta ao poeta – “A pedra é apenas uma pedra”, o poeta responde, frustrando a certeza do entrevistador em conseguir exata explicação. A resposta do poeta mudou o brilho dos olhos de Layse. Naquele instante, a nossa cumplicidade era como uma dessas ‘pedras de toque’, que tudo podiam transformar em ouro, como diz uma lenda. O poema da nossa amizade- disse eu – não é feito uma receita de remédio, previsível, exata. Os efeitos colaterais lá todos descritos e a posologia determinada para que o leitor siga à risca na certeza de uma cura, uma resposta. O poema da nossa amizade é intenso, denso, trabalhoso, e é inato, único, uníssono. Apagam-se os excessos. Procura-se pela palavra-pedra e é preciso ter coragem para fazer com que sejam certas as escolhas. A pedra do poeta, para mim, é aquela com que uns controem paredes, muros, cavernas, mas que outros levantam castelos fortes e eternos. Tropeçar em pedras como essa, descobrir como e onde usá-las, guardá-las como diamantes, porque raras são as amizades, como raros são os verdadeiros poemas. A pedra é como a palavra. Uma a uma, compondo o texto, alicerçando os sentimentos, cimentando os relacionamentos.
ps. A tela é de Picasso "Le Demoiselles"